Por Eunice Espínola – Jornalista e Escritora
Colorido, vibrante e profundamente espiritual, o Congado é uma manifestação cultural e religiosa afro-brasileira que reúne música, dança, devoção e ancestralidade. Muito além de um espetáculo folclórico, o Congado é um ato de fé coletiva, uma memória viva do povo negro e uma expressão de resistência que pulsa no coração do Brasil.
Reconhecido oficialmente como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o Congado ocupa hoje o lugar de honra que há séculos lhe pertence por direito: o da preservação da história, da religiosidade popular e da identidade afrodescendente.
Memória pessoal: quando a fé vira milagre
Eu tinha apenas alguns anos. Era uma menina franzina, com amigdalite, corpo febril e um quarto simples onde o cômodo da sala se misturava à cama. Minha mãe, aflita, não sabia o que fazer. Foi quando ouvi os sons se aproximarem: tambores, vozes, fé em forma de música.
“Deixa eu ver?”, pedi.
“Não, minha filha. O sereno pode piorar sua febre”, disse minha mãe com carinho.
Mas insisti:
“Eles vão me curar. Vai ser um milagre.”
Minha irmã Eva correu até o cortejo:
“Venham curar minha irmã!”
E eles vieram.
O Congado entrou em nossa casa como se fosse um sopro de Deus. Cantaram, oraram com seus instrumentos.
E eu dormi. Quando acordei, a febre havia ido embora.
Foi ali que entendi: o Congado não é só tradição. É cura.
É fé que bate no ritmo do tambor.
É espiritualidade que dança em nome da resistência.
Reconhecimento oficial
Em 2022, o Congado foi registrado como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. A medida reconhece não só sua relevância cultural, mas também sua função como expressão de fé, identidade comunitária e preservação da memória afro-brasileira.
Os cortejos, os festejos e a musicalidade do Congado são heranças ancestrais que ajudam a contar a história de um país ainda marcado pela desigualdade, mas cuja cultura pulsa em cada território de resistência.
Por que lembrar?
Porque o Brasil precisa honrar o que o constrói.
E o Congado é parte viva dessa construção.
A fé, quando cantada, tem o poder de curar, transformar e permanecer.
️ Eunice Espínola
Jornalista, escritora, fundadora do Instituto Helenas Não Se Calarão, comendadora cultural e ativista pelos direitos humanos e da cultura afro-brasileira.